domingo, 26 de setembro de 2010

O PRIMEIRO HOMEM POR QUEM ME APAIXONEI

Vi uma lágrima numa poça de lama
azul
olhei ao meu redor
os raios cobriam o céu
amarelo
amarelo os raios, não o céu
vi um corvo cantando uma melodia
correndo com pés de atleta
preto
preto os pés, não o atleta
vi um menino com corpo de interrogação
ele não falou
eu que tenho corpo de exclamação
também não falei
ele chorou
azul
azul a lágrima, não o menino
eu me estiquei e apanhei a sua gota de lágrima
também chorei uma lágrima
verde
verde os meus olhos, não a lágrima
com as gotas, construímos reticências
e ficamos por ali
...FRANZ KAFKA

Um domingo atípico para mim. Chovia. Sonhei a noite inteira com minha primeira paixão. Sonhei com Kafka. Ontem terminei de ler seu livro:CARTA AO PAI.Para mim deveria se chamar CARTA À MÃE, mas enfim.... Nunca gostei do belo. É extremamente enganador. Odeio a 'fogueira das vaidades. Sempre amei fraqueza. O frágil. O efêmero. O leve. O suave. Tal como a brisa que visitou Isaias na caverna. A brisa era Deus. Isaias esperava um trovão. Um relâmpago. Mas o que veio foi somente um sopro. O sopro era Deus. As coisas eternas se transfiguram na leveza. Apeguei-me aos animais. Aos seres do subsolo e sua passividade ante a dor que é viver. Kafka soube sangrar. Como Cristo. Quero aprender sangrar. Mas sangrar sentindo cada gota escorrer. Como se assim escorresse meu viver. Aceitando o que a existência me impôs. Amando a minha posiçao nesse lugar. Quando leio Kafka fico assim. A mãe diz que fico dodói. Fico chorona. Olho pra janela e vejo os olhos de Kafka. Como se me dissessem:"Sempre te falei que dói respirar". E respirar dói. Respirar dói. Respirar, dói.... Como gostaria que Kafka tivesse vivido minha época. Talvez eu hoje o amaria. Quando li " O CASTELO", na adolescência, aprendi com ele que o mundo não era um lugar para todos. Me apaixonei por ele intensamente. Ele me dizia que pessoas anormais como nós (eu e ele), não éramos bem vindos por aqui. Não erámos belos como mundo exige. Não somos tão sábios como o mundo nos requer. Não somos tão corajosos para sermos felizes. Então nos resta esperar. Esperar que tudo isso passe. Que a existência passe. E nos sobrará o refrescor da morte. "Oh! amada Filomena...Como te quero...Como te anseio....És tu que estás a bater em minha porta??" Filomena era a morte, a mulher por quem tanto ele esperava. A morte. O vazio. O nada. O vô dizia que na terra de Kafka havia neve. E que a neve deixava as pessoas tristes. O vô conheceu a Argentina. Disse que era uma terra de gente triste. As pessoas não sorriem. Então falei pra ele: Vou pra Argentina! Aqui as pessoas riem demais.Amam de menos. Não pensam. Flutuam como folhas levadas pelo vento. Não gosto daqui. Sou triste demais pra esse lugar. Vou pra Argentina. Quero chorar sozinha. Quero ver a neve. Já a sinto em meu coração. Escorre...escorre...escorre. O riso esconde o rosto das pessoas.Camufla. Mascara. E esconde quem elas realmente são. Sinto-me um tanto falsa quando necessito sorrir. As pessoas logo percebem. Talvez essa cruel sensibilidade me imposta por Deus, seja o espinho na 'carne', que transpassado à minha alma, me faça chorar hoje. Não hoje não sou socióloga. Não quero criticar nada. Quero ser como Kafka. Quero ficar extremamente só.Que bom, a mãe saiu.Estou agora extremamente só. Só como nunca antes me senti. Gosto desse sentimento. Recolho-me a meu quarto. Choro. Não vou à Igreja. Não quero que Deus me veja chorar. Hoje eu sou extremamente 'eu'.

                               DUALISMO BURKEANO Edmund Burke. Dublin, Irlanda. (1729-1797). Filósofo conservador/liberal. Discípulo d...